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COMPLEXA CANTORA E COMPOSITORA, ANGELA RO RO MANTÉM LIRISMO, INTELIGÊNCIA E IRREVERÊNCIA AOS 30 ANOS DE CARREIRA E 60 DE IDADE: “NÃO FICO EMBRIAGADA DE VAIDADES PORQUE MEU NARCISISMO É CHEIO DE AUTOCRÍTICAS EM PROL DO AUTOCONHECIMENTO”
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É sempre muito prazeroso entrevistar Angela Ro Ro. A empatia se estabelece rapidamente graças à inteligência, sensibilidade, irreverência e à amabilidade com que trata seu interlocutor – há sempre um “meu amor” a permear as frases.
Melhor de tudo: ela nunca se esquiva de indagações por mais indelicadas que possam parecer, embora a respostas possam ser ácidas e, não raras as vezes, desconcertantes.
Duas datas redondas cercam a cantora e compositora carioca, uma das mais complexas artistas da Música Popular Brasileira: os 30 anos de lançamento do primeiro disco e os 60 anos de idade completados no dia 5 de dezembro.
O álbum, gravado entre julho e agosto de 1979, só chegou ao mercado praticamente em janeiro do ano seguinte por um motivo especial: a gravadora segurou para que Maria Bethânia, grande vendedora na época, pudesse ter exclusividade no registro de “Gota de sangue”, incluída no disco “Mel”. A faixa conta com o piano de Ro Ro.
Quanto à idade, a artista parece não dar muito peso. Brinca com as décadas. Faz chacota. “É uma pequena falta de delicadeza falar sobre idade com uma dama, como diria a eterna cinquentona Danuza Leão”, afirma, entre gostosas gargalhadas. Insisto um pouco mais: “Que falta de elegância com uma dama. Quero ser longeva. Sou muito ambiciosa porque minha meta é viver feliz”, rebate.
Então, tá! A discografia de Angela Maria Diniz Gonçalves é composta por 11 discos – o mais recente, de 2006, é uma compilação ao vivo de seus hits – e um DVD. Está de bom tamanho para Angela Ro Ro, apelido advindo da risada forte e rouca e cuja obra é influenciada pelo jazz, blues e rock envoltos em brasilidade.
Ela compôs clássicos como “Amor, meu grande amor”, “Não há cabeça”, “Fogueira”, “Só nos resta viver” e também fincou hits alheios como “Simples carinho” (João Donato – Abel Silva). Ney Matogrosso e Marina Lima foram os primeiros a gravá-la. Bethânia veio na seqüência e deu visibilidade a uma autora intensa. Como intérprete, Ro Ro sempre é visceral. Arrepiante.
A trajetória foi marcada por algumas passagens polêmicas envolvendo, por exemplo, a cantora Zizi Possi. O assunto foi explorado à exaustão pela mídia sensacionalista. Tornou-se, principalmente na década de 80, um alvo fácil para a indústria de fofocas de uma artista que nunca escondeu sua orientação sexual, mas negou-se a ser porta-voz oficial dos homossexuais. Ela só queria – e ainda quer – ser livre para cantar, compor, viver. Amar!. “Fui muito maltratada pela segurança pública”, resume.
Há coisa de dez anos, deixou de lado, nas palavras dela, o “kit suicídio” – álcool, drogas e tabaco – emagreceu quase 50 quilos, enfim deu outro sentido à sua vida. Em 2000, retornou aos discos (“Acertei no milênio”) depois de sete anos de afastamento, comandou um delicioso programa de entrevista, “Escândalo”, veiculado pelo Canal Brasil. A mudança de hábito, digamos assim, não lhe tirou em nada o vigor. Ao contrário: Ro Ro continuou afiada. No palco, baladas de amor são intercaladas com tiradas espirituosas. Uma artista em paz com a vida.
A seguir, trechos da entrevista que Angela Ro Ro concedeu ao blog Sintonia Musical em que fala do seu percurso artístico, do projeto para um novo disco inédito, das novas parcerias com Ana Carolina e Sandra de Sá e também do sonho em montar um show com a cantora Zizi Possi.
Trinta anos de carreira e 60 anos de idade. Você parou para pensar bem nas datas redondas?
(risos) Claro que sim, mas não necessariamente nos 60 anos de idade. Eu procuro me desvincular disso. Quando fiz 50 anos comemorei durante uns cinco anos seguidos. Noves fora, mesmo num mundo pós-moderno, acho uma falta de delicadeza falar sobre idade com uma dama, como diria a maravilhosa e eterna cinquentona Danuza Leão. (gargalhada)
Então, tá! Vou perguntar assim: 30 anos de carreira fonográfica renderam 11 discos. Está de bom tamanho?
Ah, eu estou achando bom. Se deixar eu me torno baiana, né? Não estou difamando a Bahia porque lá se trabalha. Mas é aquela coisa meio Dorival Caymmi, que demorava uns 10 anos para compor uma música... Ele é maravilhoso. Acontece que eu sou um pouco lenta para fazer algumas coisas. Hoje em dia, um pouco menos. Hoje demoro um pouco, mas quando desando eu não paro. Onze discos e um DVD em 30 anos. Estou achando uma boa frequência, entende?
Entendo sim, tenho seus discos. Eu a considero muito importante.
É? Que bom, isso é paixão.
Tem projeto pra disco novo?
Estou pensando... Estou sem gravadora, mas em breve pretendo fazer um disco novo. Não quero fazer um disco de 30 anos de carreira porque tenho o “Ao Vivo” (lançado em 2006) que é correlato à data. Quero um disco inédito com parcerias novas que estou fazendo com Frejat, Sandra de Sá, Ana Carolina...
Tem uma frase sua que é bacana, do mais recente disco em estúdio: “Bebendo água pra lubrificar”. Isso traduz ainda atual fase?
Traduz sim. Fui a um coquetel que a Globo me convidou – com Jayme Monjardim, muito simpático e filho da Maysa; o Manoel Carlos maravilhoso, um monte de gente bacana – para o lançamento do DVD Maysa. Fui ao Copacabana Palace. O que você perguntou mesmo?
(risos) Sobre tomar água para lubrificar...
Ah, sim. Fui e falei com quem estava comigo: “Gente, não sei se vou encontrar facilmente o meu drinque”. Lá tinha de tudo e eu pedi um copo d´água. O garçom demorou um pouco, sabe? E foi me oferecendo tudo quanto é batida com suco natural e tudo maravilhoso e eu recusando. A água demorou um pouco.
(gargalhada) Deve ser um prenúncio da escassez da água no mundo...
(gargalhada) Não, é?! Eu já bebi muito! Enjoa! Você tem ressaca, vomita, a pressão arterial sobe; você escorrega e cai. Ai! E além de tudo você se torna um alvo fácil para os outros porque alma de bêbado não tem dono. Eu acho que sou uma pessoa alcoólatra porque se eu começar a beber posso vir a não parar e isso não vai me fazer bem. Então, deduzo que isso seja alcoolismo. E pra ser sincera eu descobri que não gosto de beber.
Você é uma mulher de grandes amores?
Ah, eu sou! Eu amo muito! Sou capaz de amar uma pedra e nunca ter coleção de pedras. Com animais chego às raias da paixão - sempre “houveram” e “hão” alguns que competem, no bom sentido, com as melhores paixões e amores que tive na vida.
Você viveu tudo o que está escrito nas suas músicas? Há letras contundentes...
No início da década de 80, eu havia sido muito maltratada pela segurança pública – e olha que hoje em dia a gente já não sabe quem é bandido e quem é polícia. Mas naquela época, as pessoas preferiam fazer uma lenda viva em carne viva da Angela Ro Ro.
Você contribuiu um pouco ou não?
Ninguém contribui quando é espancado... A resposta, obviamente, é: não contribui, Mariano. Essa é a minha resposta. Sei que você como homem não precisaria fazer esse tipo de pergunta para mim.
Não perguntei para insultá-la...
Não, meu amor. Eu sei do seu caráter jornalístico. Mas sei que como pessoa, como homem, você não faria uma pergunta dessa para mim.
Ok! Você foi parar na revista “Caras” e com um título assim: “Ro Ro renasce do narcisismo”. Nossa, hein?!
Ah, a revista Caras é alegre, pra cima, feita de muitas fotos. Fui muito bem recebida. Foi ótimo o título, leve. Agora, o narcisismo, no sentido do mitológico da palavra, está associado à recuperação da minha saúde de dez anos para cá, à vontade de viver. Isso tudo se deve ao fato de eu me olhar. Eu me olho! Mas não fico embriagada de vaidades. Meu narcisismo é cheio de autocríticas em prol do autoconhecimento. Se você não se conhece, não quer se olhar, você regride. Eu sou da seguinte lei: “Encara-te a ti mesmo”, que vem de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Tá vendo, eu dou cacetada pra tudo que é lado. E eu só fiz o ginásio. (gargalhada)Você não é meramente intuitiva. Ou seja, apenas “acha” isso ou aquilo sobre determinados assuntos...
Na realidade, meu amor, aos 60 anos, por mais inculta que possa ser, sou muito observadora, atenta e interessada na vida. Eu presto atenção em tudo. Acho que Sócrates, o jogador, é importante para nós e Sócrates, filósofo da antiga Grécia, é muito importante também. O tipo de futebol que o Doutor Sócrates jogava para mim era mais ou menos a mesma narrativa filosófica de Sócrates, o pensador. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o outro”, que era uma forma Pré-cristã de quando Cristo dizia “Ame ao seu próximo como a si mesmo”. É a mesma onda.
É?
O grande doutor Sócrates ficava de olho no jogo do adversário e, assim, antecipando e fazendo as jogadas corretas. Então, para mim, eu misturo tudo: Ronald Golias, Dercy Gonçalves, Annie Besant, Papa Borja e suas loucuras, torcida do flamengo, Carlos Drummond de Andrade e seus contos eróticos, as frases puras do grande garanhão Vinicius de Moraes... Eu presto atenção a tudo! Nasci na era da televisão, mas mesmo quando em criança eu ficava atenta ao teatro rebolado. Minha experiência maior é ficar atenta à vida, que é fantástica.
Você se enxerga artisticamente em algumas pessoas? Alguém seguiu sua escola musical?
Não sei lhe dizer... Que eu tenha visto alguma coisa minha em alguém, eu não sei... Por Deus do céu, não estou encolhendo...
Cássia Eller não?
(enfática) Nãããããoooooo! Na-na-não!!!!!
É verdade que era pra você ter gravado “Malandragem” em vez da Cássia?
É sim! Eu estava com o repertório do disco fechado. O Cazuza era tipo meu irmão mais novo. Ele e o Frejat me mandaram uma fita cassete com a música e eu pensei: “linda guitarra, uma beleza a harmonia, mas não vou ficar com ela não”. Telefonei pro Cazuza e disse: “Você tá maluco? Eu com 30 e poucos anos e cantar que sou uma garotinha esperando o ônibus da escola?”. Ele blasfemou e disse que iria entregar para... Só na cabeça dele, que achava que era um desafeto eterno. Tempos depois, ouvi a música no carro e disse: “camarada, que voz é essa”. Era a Cássia.
Não quero ser indelicado, mas o desafeto continua?
Desafeto com quem?
Com a Zizi Possi.
Com a Zizi Possi? Não há o menor desafeto. Eu tive uma profunda tristeza da gente. Ela e eu fomos vítimas de manipulações, de más línguas. As pessoas foram muito maliciosas. Muita maldade, muita truculência física e psicológica contra mim. Eu nunca bati em ninguém, muito menos na Zizi e ela sabe disso. Eu acho a Zizi uma pessoa muito bacana. Nunca mais fizemos amizade. Ela tem uma filha linda que canta tão bem quanto ela. Zizi é uma grande artista. Pena que nunca mais fizemos amizade porque eu poderia pedir dinheiro emprestado a ela, né?
Você não ficou rica com a música Ro Ro?
Tô rica nada, só se for de experiências. Falando sério: não tenho nada contra a Zizi, de coração. Inclusive um dos meus planos é não deixar a vida passar sem tentar fazer um show: Zizi Possi e eu.
Olha só...
É. Ela cantando algumas coisas minhas dela e eu vice-versa. Essa ideia me persegue desde os anos 90. Nunca me dirigi a ela para saber a opinião. Mas em algum momento eu gostaria de consultar a Zizi ou a produção dela para saber a disponibilidade e o interesse dela para compartilharmos o mesmo palco. Seria um show que o público dela e o meu público iriam amar. Imagina ela cantando “Só nos resta viver”, que eu fiz depois de ”Meu amigo, meu herói”? Tá vendo como não coleciono desafetos? Vamos ver se alguém convence dona Zizi.
Você uma mulher feliz?
Olha, sou sim!
RENATO FORIN JR/ ARQUIVO PESSOAL